Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
2 de Maio de 2024

Brexit e refugiados

O que a saída do Reino Unido da União Europeia representa na luta dos refugiados na Europa?

Publicado por Tiago Scher
há 8 anos

Brexit e refugiados

Por Tiago Scher Soares de Amorim e Lílian Santos Araujo

O mundo vive momentos de tensão diante do recrudescimento de forças antes vistas como irrelevantes. Passeatas do Pegida e incêndios contra refugiados na Alemanha; tratamento desumano aos solicitantes de refúgio pelo governo australiano; Donald Trump, com suas propostas de fechamento das fronteiras para islâmicos, brigando pela presidência dos EUA; o governo interino de Temer suspendendo a negociação com a Europa para receber refugiados sírios. Esses são só alguns exemplos que demonstram o fortalecimento das políticas restritivas de direitos dos refugiados em todo o mundo. Diante deste contexto, qual é o impacto do Brexit na situação já calamitosa vivenciada pelos refugiados na Europa?

Importante destacar a expressividade que as forças conservadoras e de extrema direita vem ganhando entre os britânicos. Antes tido como inexpressivo, o Partido da Independência Britânico (UKIP) foi o terceiro mais votado nas eleições gerais de 2015 e teve papel marcante na campanha pela saída da União Europeia (EU), protagonizando, inclusive, a publicidade mais lamentável de todo o pré-referendo: um outdoor mostrando milhares de refugiados na Eslovênia em 2015, logo após cruzar a fronteira com a Croácia. A propaganda foi rapidamente associada a campanhas publicitárias nazistas da década de 1930, o que gerou críticas e repercussão mundial. Some-se a isso a existência de partidos pequenos assumidamente de extrema-direita, como o British First, que, embora pequeno, consegue difundir as suas ideias em escala considerável, graças as redes sociais.

Enquanto a campanha pela permanência na EU ganhava destaque por seus argumentos econômicos, a da saída tinha como foco central a imigração. Interessante notar que as políticas migratórias e humanitárias britânicas já vem sofrendo restrições há alguns anos por iniciativas do ex-primeiro-ministro David Cameron, curiosamente defensor da campanha da permanência na EU. No que tange à atual crise de refugiados no continente europeu, é inegável que o impacto foi bem menos significativo no Reino Unido, seja por sua geografia isolada, pela sua não participação na zona Schengen de passaportes (que permite o livre fluxo de pessoas que já estão dentro da EU), bem como pela sua política pontual de acolhimento de refugiados.

Se a situação já era complicada para os refugiados nas fronteiras britânicas, a tendência é piorar, inclusive internamente. A futura primeira-ministra britânica Theresa May, que assumirá o cargo nos próximos dias, atuou enquanto ministra do Interior no governo Cameron, sempre pautando políticas restritivas à entrada de imigrantes. Uma de suas medidas mais polêmicas foi a criação de uma lei proibindo cidadãos britânicos de levarem seus cônjuges ou filhos para o Reino Unido, a menos que tivessem renda anual acima de 18.600,00 líbras. Adicione-se ainda a sua declaração de que o país deveria deixar a Convenção Europeia de Direitos Humanos independente do resultado do referendo (detalhe: ela fez campanha pela permanência na EU). Contudo, May já recuou dizendo que não objetiva mais sair da referida Convenção.

É bem verdade que o resultado do referendo não traz mudanças significativas na lei de refúgio britânica, que é elaborada internamente, sem influência da União Europeia. Todavia, analisando de uma perspectiva política e diplomática, é possível que haja impactos negativos na lei. A título de exemplo, já há forte pressão da França para que se encerre o Le Touquet Agreement, um acordo firmado entre os dois países em 2003, que permite aos britânicos controlar as barreiras migratórias no lado francês do Canal da Mancha. O fim do acordo pode representar um fluxo maciço de refugiados se arriscando na travessia a nado dos mais de trinta quilômetros do canal, além de trazer incertezas quanto à postura britânica na chegada destes refugiados em suas terras.

Em que pese a relevância das questões internas britânicas, o Brexit pode ter grande impacto na política de refúgio no resto da Europa, onde já há discussão acirrada acerca das políticas de asilo da EU. Em um cenário de crescimento de partidos eurocéticos e de extrema-direita, há a possibilidade de novos referendos ocorrerem em países como Dinamarca, Áustria, Holanda e França, o que muito provavelmente causaria novas incertezas e mais sofrimento para os refugiados que já estão no continente europeu, bem como para os que ainda tentam chegar. O perigo reside nos caminhos políticos que a Europa vem seguindo e é preciso que haja rápida mudança de perspectiva: quando os direitos humanos são colocados em segundo plano, quem sai perdendo é toda a humanidade.

  • Sobre o autorAdvogado
  • Publicações1
  • Seguidores9
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações3906
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/brexit-e-refugiados/360486443

Informações relacionadas

Wagner Francesco ⚖, Advogado
Artigoshá 8 anos

Por que devemos acolher os refugiados?

3 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

O BREXIT não pode ser examinado apenas no que concerne à questão dos refugiados - embora o controle de fronteiras tenha sido um ponto essencial. A União Europeia há muito se desviou de seu propósito original - criar uma mercado comum e uma esfera de cooperação - para uma quasi-federação, gradualmente dragando a soberania de seus membros sobre suas questões internas.

Não apenas nas fronteiras; política econômica e monetária, controle concorrencial, "direitos humanos", funcionamento do judiciário, manutenção do estado de direito, e várias outras, sob o controle de uma burocracia não-eleita em Bruxelas.

Em virtude disso, será aos poucos desfeita. A Grã-Bretanha foi a primeira - espero, de todos. continuar lendo